A Bahia registrou um crescimento alarmante de 14,8% no número de pessoas desaparecidas em 2024, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025. O estado ficou atrás apenas de Amapá (+27%) e Sergipe (+19,9%), ultrapassando com folga a média nacional, que foi de 4,9%.
Um dos casos que chocaram o estado foi o sumiço dos jovens Paulo Daniel e Matusalém Lima, vistos pela última vez em novembro no bairro de Pirajá, em Salvador. As investigações apontam para um cenário brutal: tortura, morte e ocultação dos corpos. O caso envolve um empresário e policiais militares, levantando uma pergunta inquietante: quantas histórias semelhantes ainda permanecem enterradas no silêncio?
Números em alta e um padrão de violência
O levantamento revela que os desaparecimentos no Brasil saltaram de 77.725 em 2023 para 81.873 em 2024. Na Bahia, os registros subiram de 3.538 para 4.066 casos, enquanto o número de pessoas localizadas cresceu de forma tímida, passando de 836 para 876 (alta de 4,7%).
De acordo com o Ministério Público da Bahia (MP-BA), muitos desses casos ocultam execuções seguidas da ocultação de cadáveres, frequentemente enterrados em cemitérios clandestinos mantidos por facções criminosas.
O promotor Davi Gallo, com 30 anos de atuação na área criminal, afirma que não se trata apenas de hipótese. “Eles somem com os corpos para não chamar a atenção da polícia. É uma estratégia para manter o controle sobre territórios dominados pelo crime organizado”, explica.
Métodos cruéis e perfil das vítimas
Segundo Gallo, os métodos de ocultação são extremos: vítimas queimadas em pneus (“micro-ondas”) ou dissolvidas em ácido, práticas que lembram cenas de filmes.
O perfil mais frequente entre os desaparecidos é de homens (62,8%), adolescentes e jovens (53,5%) e negros (54,3%), com maior incidência entre sexta-feira e domingo — mesmo padrão observado nas vítimas de homicídios.
Para o promotor, há também o fator do racismo estrutural e social. “Mortes de pessoas negras e pobres são negligenciadas. O Estado é desorganizado, e quem sustenta as investigações, muitas vezes com recursos limitados, são o MP e as polícias”, afirma.
Facções em expansão e violência disfarçada
O estudo alerta que, mesmo com a queda no número de mortes violentas, houve crescimento dos desaparecimentos justamente em um período de fortalecimento e expansão de facções criminosas. Na Bahia, o avanço é visível, mesmo com investimentos altos em segurança pública.
Pesquisadores apontam que Amapá, Sergipe e Bahia tiveram aumento expressivo de desaparecimentos junto à queda de mortes violentas, indicando que parte da letalidade pode estar “escondida” nesses registros.
Gallo defende endurecimento das leis. “O crime organizado deveria ser tratado como terrorismo. Está em todo lugar, com estrutura e poder. As leis continuam brandas”, critica. Ele também aponta que presídios viraram escritórios do crime e que presos deveriam trabalhar e cumprir integralmente suas penas.
Possível guerra entre facções
O promotor alerta para um cenário de risco, com Comando Vermelho, PCC, Terceiro Comando Puro e Família do Norte disputando território no estado. “Ainda não perdemos a guerra, mas é preciso vontade política. O tráfico está dominando nossa região”, afirma.
O que diz a Segurança Pública
A Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP) informou que as polícias atuam de forma integrada nos casos de desaparecimento, com investigações conduzidas pela Delegacia de Proteção à Pessoa. A pasta destacou o uso do reconhecimento facial, que já ajudou a localizar 26 pessoas, além do apoio do Disque Denúncia e da imprensa.
O Departamento de Polícia Técnica (DPT) informou que, desde 2012, integra seus dados a um banco nacional de desaparecidos. O órgão possui 249 restos mortais não identificados e material genético de 471 familiares, mas apenas 12 casos foram solucionados até agora.
Redação