Ex-presidente uruguaio enfrentava um câncer de esôfago e vivia recluso em chácara nos arredores de Montevidéu
Morreu nesta terça-feira (13), aos 89 anos, o ex-presidente do Uruguai José “Pepe” Mujica, uma das figuras mais carismáticas e respeitadas da política latino-americana. Ícone da esquerda e conhecido por seu estilo de vida humilde, Mujica lutava contra um câncer no esôfago desde abril de 2024.
A notícia foi confirmada pelo atual presidente do Uruguai e aliado político, Yamandú Orsi. Em uma homenagem emocionada, Orsi escreveu:
“Com profunda dor comunicamos que faleceu nosso companheiro Pepe Mujica. Presidente, militante, referência, liderança. Vamos sentir muito sua falta, velho querido!”
Reclusão, tratamento paliativo e os últimos dias
Desde o diagnóstico, Mujica passou a viver de forma mais reservada em sua chácara, nos arredores de Montevidéu. O tumor havia se espalhado para outras partes do corpo, e, segundo sua esposa, Lucía Topolansky, ele estava em fase terminal, recebendo cuidados paliativos. Pepe não chegou a comparecer às eleições regionais do último domingo (11), por conta de seu estado de saúde.
Mujica completaria 90 anos no próximo dia 20 de maio.
“Presidente mais pobre do mundo” e símbolo de uma era
Pepe Mujica governou o Uruguai entre 2010 e 2015, período em que ficou mundialmente conhecido como o “presidente mais pobre do mundo”. Ele morava em uma chácara modesta, dirigia um Fusca azul dos anos 70 e doava a maior parte de seu salário para projetos sociais.
Seu governo ficou marcado por políticas progressistas, como a descriminalização do aborto, o casamento igualitário e a legalização da maconha — tornando o Uruguai pioneiro na América Latina em temas sociais.
Além disso, sua gestão ampliou programas de transferência de renda, distribuição de laptops em escolas, e políticas habitacionais para famílias de baixa renda.
“Me diverti tentando mudar o mundo”
Em entrevista ao jornal El País, em novembro de 2024, Mujica refletiu sobre sua trajetória:
“Me dediquei a mudar o mundo e não mudei nada, mas me diverti. E gerei muitos amigos e aliados nessa loucura de melhorá-lo. E dei sentido à minha vida.”
Do cárcere à Presidência
Nascido em 1935, Mujica iniciou sua militância política como guerrilheiro do grupo Tupamaros, que enfrentou a ditadura uruguaia nas décadas de 60 e 70. Por sua atuação, passou 14 anos na prisão, boa parte deles em solitárias. Sobreviveu a torturas, levou seis tiros e escapou da prisão duas vezes.
Sua história inspirou o filme Uma Noite de 12 Anos, dirigido por Álvaro Brechner.
Em relato tocante ao jornalista Emir Sader, contou como lidava com o isolamento extremo:
“Se você pegar uma formiga e colocá-la perto do ouvido, vai ouvi-la gritar. Isso eu aprendi no calabouço.”
Com o fim da ditadura, Mujica foi anistiado. Criou o Movimento de Participação Popular, que se uniu à Frente Ampla, coalizão de esquerda que o levou à Presidência. Antes disso, foi deputado, ministro da Agricultura e senador. Em 2019, voltou ao Senado, mas renunciou em 2020 para evitar riscos durante a pandemia de Covid-19.
Defensor da integração latino-americana
A integração da América Latina era um dos temas centrais da visão política de Mujica.
“Ou nos integramos, ou não somos nada”, dizia com frequência. Para ele, a união dos países do continente era fundamental diante de um mundo globalizado e dominado por grandes potências.
Em outubro de 2023, em Foz do Iguaçu (PR), participou da Jornada Latino-americana e Caribenha de Integração dos Povos, ao lado do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva.
“Se não nos unirmos, não existimos”, alertou.
Homenagem de Lula: “a pessoa mais extraordinária”
Em dezembro de 2024, Lula viajou ao Uruguai para entregar a Mujica a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, a mais alta honraria concedida pelo Brasil a estrangeiros.
“Essa medalha não é pelo fato de ele ter sido presidente. É pelo fato de ele ser quem é”, disse Lula, emocionado.
Legado de simplicidade e humanidade
Segundo o historiador da Universidade de Brasília, Rafael Nascimento, Mujica é celebrado tanto por suas políticas quanto por sua ética de vida.
“Ele defende valores como a solidariedade, o respeito à natureza e o consumo consciente. Mujica virou uma referência global”, afirmou.
José “Pepe” Mujica parte deixando um legado raro: o de um político que viveu como pregava — com humildade, coerência e compromisso com a justiça social.
Fonte: Redação com informações da Agência Brasil