O enfrentamento ao câncer no Brasil precisa ir além do diagnóstico e do tratamento. A avaliação é do ex-ministro da Saúde e pesquisador titular da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), José Gomes Temporão, que defende a prevenção e a promoção da saúde como eixos centrais no combate à doença.
Temporão, que já dirigiu o Instituto Nacional do Câncer (Inca) e integrou o Comitê Consultivo para o Controle do Câncer da Organização Mundial da Saúde (OMS), alerta que o câncer é hoje a principal causa de morte em mais de 600 municípios brasileiros e deve ultrapassar as doenças cardiovasculares nas próximas décadas.
Segundo o Inca, o Brasil registra cerca de 700 mil novos casos por ano, número que deve crescer consideravelmente até 2050, quando a OMS projeta 35 milhões de novos casos no mundo.
O pesquisador chama atenção para as desigualdades entre países e regiões, destacando que 70% das mortes por câncer ocorrem em nações de baixa e média renda, onde há menos acesso à prevenção e aos tratamentos.
Prevenção como prioridade
Temporão defende que a prevenção deve ser a prioridade das políticas públicas. Segundo ele, 90% dos casos de câncer estão ligados a fatores ambientais e comportamentais, como tabagismo, consumo de álcool, alimentação inadequada, obesidade, sedentarismo e poluição.
Esses fatores, afirma, exigem ações intersetoriais que envolvem regulação da publicidade de alimentos ultraprocessados e bebidas açucaradas, além de medidas fiscais para desestimular o consumo. “A questão central do câncer não é a cura, é evitar a doença”, enfatiza o ex-ministro.
Desigualdade regional e desafios do SUS
Apesar da ampla cobertura da atenção básica no país — que atinge cerca de 150 milhões de brasileiros —, Temporão ressalta que o desempenho do sistema é muito desigual. O maior número de especialistas e de equipamentos está concentrado nas regiões Sul e Sudeste, enquanto Norte e Nordeste enfrentam escassez de infraestrutura.
Ele propõe uma reestruturação do Sistema Único de Saúde (SUS), com a organização dos municípios em regiões de saúde, de modo a otimizar recursos, ampliar o atendimento e reduzir desigualdades.
Atualmente, o Brasil possui mais de 5 mil sistemas municipais de saúde, e a proposta de regionalização reduziria esse número para cerca de 400 regiões, que teriam autonomia para contratar equipes e adquirir insumos.
Acesso a novas tecnologias
O ex-ministro também destaca a importância da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), responsável por avaliar a eficácia e o custo-benefício de novos tratamentos. Ele reconhece, no entanto, que os altos custos de medicamentos inovadores, como as terapias biotecnológicas e imunoterápicas, dificultam a incorporação pelo sistema público.
“Há tratamentos que custam milhões de dólares por paciente, inviáveis para países em desenvolvimento”, pontua.
Diagnóstico precoce e rastreamento
O diagnóstico precoce continua sendo fundamental, e a atenção básica é considerada o principal ponto de partida. O rastreamento de rotina para câncer de colo do útero, mama, próstata e intestino é essencial, assim como a capacitação dos profissionais para identificar sinais iniciais e encaminhar os casos corretamente.
O uso de telemedicina e inteligência artificial pode ajudar a reduzir o tempo de diagnóstico e ampliar o acesso a especialistas, especialmente nas regiões mais carentes. “Essas tecnologias aumentam a precisão dos laudos e permitem consultas remotas com especialistas”, observa Temporão.
Comunicação e combate à desinformação
Outro desafio apontado é o avanço da desinformação sobre saúde, amplificada por redes sociais e plataformas digitais. Temporão defende uma estratégia nacional de comunicação científica para combater fake news e promover hábitos saudáveis, adaptando a linguagem às diferentes realidades do país.
Ele cita o sucesso das políticas de combate ao tabagismo como exemplo: nas últimas décadas, o percentual de fumantes no Brasil caiu de mais de 30% para cerca de 10% da população adulta. Segundo ele, o mesmo modelo de restrição publicitária e educação preventiva deve ser aplicado ao álcool e aos alimentos ultraprocessados.
“Precisamos explicar que o que a pessoa come hoje pode impactar sua saúde daqui a décadas. É uma construção de comunicação de risco, com dados confiáveis e transparência”, reforça Temporão.
Redação com informações da Agência Brasil











